Você não é o seu trabalho

    Quando alguém pergunta "quem é você?", a resposta mais comum é a profissão: "sou médico", "sou professora", e assim por diante. Esse hábito é tão normal que raramente pensamos sobre por que fazemos isso. Precisamos considerar a relação que temos com o trabalho e a importância que damos a ele na nossa identidade.

    Se o trabalho fosse como uma roupa que podemos tirar, quem seríamos sem ele? O que sobressai quando tiramos os títulos, as posses e as coisas que acumulamos? Muitas vezes, essas "coisas" são camadas que adicionamos à nossa identidade, expressando quem somos. A quantidade de títulos e bens que temos parece definir o quão bem-sucedidos somos. Quanto mais, melhor.

    Contudo, não somos apenas nossos empregos. O trabalho existe para manter a sociedade funcionando, sendo moldado por um sistema que criamos. Essa escravização em função do trabalho vem de uma distorção de valores que temos na sociedade. Em muitos contextos, especialmente no espiritual, o conceito de trabalho significa muito mais do que acumular. É mais sobre compartilhar e ajudar.

    Nossa essência, a alma, é o que permanece quando removemos todas essas camadas superficiais. Precisamos seguir o que a alma deseja, pois somos muito mais do que nossas ocupações. A vida é complexa, e a morte também é uma parte desse ciclo.

    Passamos muitas horas no escritório…

    Muitos de nós dedicamos uma quantidade absurda de tempo ao trabalho. A carga horária influencia muito nossa percepção de quem somos. Trabalhar apenas quatro horas por dia é uma coisa, mas horas e horas a mais exigem um esforço muito maior. No cenário atual, quem trabalha "apenas" oito horas já se considera privilegiado. A realidade é que muitos são obrigados a cumprir jornadas de 10 a 15 horas.

    Estamos muitas vezes mais tempo no trabalho do que com a família ou um rolê com os amigos. E tem mais: alguns empregos exigem anos de estudo, fazendo com que os jovens já abdicar de distrações para passar em vestibulares competitivos. A pressão é intensa e a expectativa de sucesso nos leva a sacrificar nossas vidas para sustentar um sistema que beneficia poucos.

    É bom lembrar que 1% da população detém uma quantidade imensa da riqueza global, muito mais do que o restante da humanidade. Essa é a realidade que enfrentamos.

    Em função do trabalho, nos moldamos e adaptamos toda a nossa vida. Consideramos como bons profissionais aqueles que conseguem separar a vida pessoal da profissional, o que é uma das maiores mentiras do mundo corporativo. Essa ideia nos faz pensar que podemos dividir nossas emoções e sentimentos do nosso “eu” que trabalha. No fundo, o que produzimos deve ter valor, e a cultura do “vista a camisa e entregue-se” é tão forte que nos confundimos.

    Por isso, a resposta à pergunta "quem é você?" geralmente se resume à profissão. Isso nos leva a um ciclo onde a identidade está atrelada ao que fazemos e não ao que realmente somos.

    O que está acontecendo com o trabalho?

    Para muitas pessoas, a rotina de trabalho não mudou muito. Algumas atividades, como caixas de supermercado, não podem ser feitas remotamente. Porém, muitas funções que antes eram realizadas no escritório agora podem ser feitas de casa numa boa.

    O tempo que perdemos no trânsito, por exemplo, era precioso. Agora, com reuniões online, percebemos que várias tarefas podem ser realizadas à distância. A virtualização do trabalho e a flexibilidade que antes eram vistas como privilégios, agora são vitais para manter a sociedade funcionando.

    Essa mudança forçada já está alterando a cultura corporativa. Estamos vivendo uma transição em que a saúde, o bem-estar da família e relacionamentos interpessoais estão ganhando força. Após o período de restrições, é comum ver as crianças invadindo as reuniões online dos pais ou as pausas para o almoço sendo feitas em família.

    Agora, adotamos o trabalho de forma a priorizar a família, ao invés de fazer o oposto. Essa nova visão já representa uma mudança significativa.

    Se essas transformações são permanentes, só o tempo poderá confirmar. O mundo está nos desafiando a pensar de forma diferente sobre nossas desigualdades sociais e o impacto no meio ambiente. Quanto mais tentarmos preservar o que já conhecemos, menos chances teremos de evoluir. A transformação requer mudanças, e a natureza tem mostrado os caminhos. Resta saber se vamos segui-los.

    Todos têm um propósito e há muito mais em nós do que o trabalho. É fundamental que a sociedade comece a valorizar esse aspecto humano, e não apenas o que conseguimos produzir. O foco deve ser no ser humano por trás da profissão, e as habilidades que trazemos para nossas interações diárias.

    Além disso, a reflexão sobre como o trabalho molda quem somos deve ser constante. O verdadeiro desafio está em equilibrar nosso feed da vida pessoal e profissional, e encontrar a verdadeira identidade que vai além da nossa ocupação.

    A vida pode ser enriquecida quando começamos a valorizar o que temos internamente, ao invés do que ganhamos externamente. Essa mudança de perspectiva pode levar a um entendimento mais profundo do nosso caminho e das nossas interações com o mundo.

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